Jaiara Dias

Sempre que podia, Maria cozinhava seu macarrão ao alho e óleo que tanto gostava, tomava o seu vinho tinto seco, tão desejado por ela nas adegas da vida, às vezes se dava à esse luxo. E sempre ouvia o seu disco preferido: “A mulher do fim do mundo” da diva eterna Elza Soares. Maria também se sentia a mulher do fim do mundo, trabalhou tanto pra criar seus dois filhos sozinha, passou por tantas dificuldades para mantê-los vivos e amados que ela tinha a sensação de que todo dia podia ser o fim do mundo. Ela vivia assim, sempre por um fio, mas um fio forte, fio de ouro. Porque ela sabia que sua mãe oxum a acalentava nos dias de lágrimas. Hoje, Maria quer sossego, sexta-feira à noite é dia de desestressar. Está feliz que não vai trabalhar no sábado, limpeza de escola cansa muito e não tem o devido reconhecimento do seu esforço, ela tem a sensação de ser invisível, às vezes. Ninguém a ouve, ninguém sequer a chama pelo nome no seu ambiente de trabalho. É sempre a “tia da limpeza”. Quem é que dá importância ao nome de uma serviçal, não é mesmo? Porém, Maria está nesse emprego há anos, só tem que agradecer à Oxalá. Seus filhos não estão em casa, cada um na casa de sua namorada, então ela fica tranquila. Agoniada fica quando eles resolvem passear nas ruas, nos bares. Nem consegue pregar os olhos com medo de acontecer algo de pior com eles. Sentada no sofá, Maria fica refletindo a vida. Com seus 50 anos, filhos criados, casinha construída com muito sangue, suor e mãos calejadas, tem a sensação de dever cumprido e um vazio no peito, uma certa morbidez na alma… “Quanto tempo fiquei só…”, “Quantos sapos tive que engolir pra botar comida dentro de casa?”, “Aaah tive que aguentar muita humilhação do pai dos meus filhos pra manter uma família unida…”, “Mas graças aos meus orixás, nunca fraquejei, nunca desisti, sou uma mulher forte, uma mulher de 50 anos!”. Maria passava horas divagando em seus pensamentos, entre uma dose e outra de vinho, buscando amparo para sua existência. Às vezes, desejava logo o fim do mundo, mas queria que esse fim fosse aos gritos, para ela expulsar todos os silêncios cravados em sua carne. Sonhadora como é, fantasiava o fim do mundo com suas denúncias desancorando de sua garganta, ela considerava a cena mais bonita já vista. O silêncio ancorado adoece o corpo, era preciso se curar e ela sabia disso. Sua cura era ficar sozinha em casa, ouvindo seus discos preferidos, colecionados com muito esforço. Suas doses de vinho tinto era o sangue que lhe dava um ar de vida.

Jaiara Dias

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